sábado, 2 de janeiro de 2010

Quando a Verdade pode Doer...





Por Marcos A. de Souza


Desde que a boataria oficial espalhou a notícia de que possivelmente será instalada no Brasil uma "Comissão da Verdade" para investigar os crimes cometidos pelos militares durante as mais de duas décadas em que o Brasil esteve mergulhado em um sistema autoritário e repressivo, a ala fascistóide da imprensa, assim como o alto escalão militar do Brasil resolveu ladrar como uma matilha enfurecida contra qualquer rumor da instalação de tal comissão.
Houve até pedido de demissão das mais altas patentes das Forças Armadas e do patético Ministro da Defesa, Nelso Jobim.
Esse necessário revisionismo histórico que vem a tona na atualidade, não é exclusivo do Brasil. Recentemente vários países latinoamericanos, governados na atualidade por ex-perseguidos políticos em regimes ditatoriais de outrora, instalaram comissões semelhantes com o objetivo de investigar, e até mesmo punir responsáveis de torturas, estupros, desaparecimentos e execuções por motivos políticos-ideológicos.
Mas o que tanto causa temor e revolta em alguns setores da sociedade e das Forças Armadas?
Primeiramente há que se atentar para o fato de que muitos dos torturadores do regime militar ainda estão vivos, alguns ainda nas fileiras castrenses das Forças Armadas. Outros tantos, cumplices nos mais variados crimes que resultaram em centenas de desaparecidos, e que hoje gozam de muito prestigio na sociedade estão amendrontados, temendo que os fantasmas do passado agarrem os seus pés e os levem ao menos até o purgatório da execração pública, frente aos seus crimes revelados.
Não obstante, há ainda o revanchismo histórico, não totalmente sepultado pela Lei de Anistia de 1979. A grande mídia, porta-voz dos ideais da " Revolução de 1964", não se conforma que os porões da ditadura não conseguiram calar os opositores, muitos dos quais viraram o jogo e chegaram ao poder.
E é aí que reside um dos principais pontos da discussão  dos antigos esbirros e simpatizantes da ditadura militar brasileira contrários  a instalação da "Comissão da Verdade" para investigar e possivelmente punir os que faziam dos porões da ditadura uma verdadeira sucursal do inferno na Terra, com seus "paus de araras", "suas cadeiras do dragão" e seus choques elétricos, afogamentos, estupros,  fuzilamentos e um sem fim de atrocidades engendradas por diabólicas mentes humanas que controlavam o poder no Brasil, com o aval de importantes setores da sociedade.

De acordo com essa gente que queria livrar o Brasil do perigo do "comunismo" , se houver um revisionismo histórico no sentido de investigar e punir os militares torturadores haverá uma violação da Lei de Anistia, o que por sua vez anula o indulto concedido tanto aos militares, quanto aos guerrilheiros que lutavam contra a tirania instalada no Brasil em 1964, o que inclui nomes como Dilma Roussef, Franklin Martins e Carlos Minc, ministros do governo Lula.
O que eles querem na verdade é inverter a situação ao seu favor, num contexto em que não há o que se dicutir quanto aos grupos armados que lutavam contra o regime militar brasileiro. É consenso quase que universal resistir às tiranias com as mesmas armas que elas se utilizam para espalhar o terror e reprimir o povo. Os libertadores da América colonial espanhola, os heróis da Independencia dos Estados Unidos, não são vistos como terroristas, mas como simbolos da resistencia a um poder opressor. E eles o fizeram pela força das armas, assim como pretendia o Tiradentes e tantos outros heróis brasileiros, forjadores da nossa soberania e da nossa nacionalidade.
Nesse sentido, lutar contra uma tirania não pode ser concebida como um crime, mas como um dever heróico diante de uma situação em que os governantes utilizam a doutrina do terror como sustentáculo legitimador do seu poder. Se não fosse a força das armas, certamente o nazi-facismo não teria sido derrotado na primeira metade do século XX. E quantas ditaduras sangrentas caíram pelo mundo graças a rebeldia justa dos povos?
Ora, quando os tiranos ascendem ao poder e destroem as regras do jogo democrático, como devem agir os cidadãos? Se as formas de organização da sociedade civil são perseguidas e desmanteladas por agentes do Estado terrorista, com apoio técnico dos EUA, como resistir aos desmandos dos gorilas que se instalam no poder?
  Com cartazes pedindo paz e democracia  diante dos tanques que patrulham as ruas e as metralhadoras que cospem toda a sua fúria sobre a população?
Pelo contrário, ao invés de o governo LULA ceder as pressões destes esbirros da ditadura, deveria elevar a categoria de heróis os que se levantaram contra o regime militar e punir os crápulas que instauraram o regime do terror no Brasil.
Para aqueles que argumentam que os supostos crimes cometidos pelos guerrilheiros devem ser punidos, estes devem ser creditados na conta da ditadura e seus promotores, tendo em vista que se não houvesse o golpe de 1964, ninguém precisaria pegar em armas para resistir contra ninguém. Pessoas inocentes podem ter morrido nessas ações que certamente não ocorreriam sem a existencia da ditadura militar.
E que venha a tona a verdade. Mesmo que não sobre pedra sobre pedra sobre o império daqueles que durante mais de duas décadas aterrorizaram, exploraram, torturaram e que tentaram calar a todo custo as vozes destoantes ao regime do terror, implantado no país para nos livrar dos males e dos perigos do comunismo...
Até porque alguns países da América do Sul, que chegaram a internacionalizar a perseguição político-ideológica, através da Operação Condor (cooperação entre as ditaduras militares do Cone Sul para perseguir opositores fora dos territórios dos seus países, com o apoio técnico dos EUA) , tem instalado comissões como essas e o que tem vindo a tona não é nada agradável ao status quo: Na Argentina por exemplo, foi julgado em dezembro de 2009 um tal "anjo da morte", responsável por sequestrar, torturar, e depois assassinar os adversários de esquerda, porque, segundo ele era a única maneira de frear a subversão de esquerda.
Não menos importante são as suspeitas de que até mesmo o monopolista e todo-poderoso da informação argentina, o Grupo Clarín pode estar envolvido no jogo sujo da sangrenta ditadura instalada nesse país, que sequestrava filhos dos "subversivos" e os entregavam a famílias da elite. Ninguém menos do que a dona do Clarín pode ter colaborado com esse esquema, ao possivelmente adotar essas crianças que viram seus pais "saírem de férias" para nunca mais retornarem.
No Uruguai, onde o ex-guerrilheiro tupamaro Jose Mujica, que foi preso e torturado pelo regime de excessão uruguaio chegou a presidencia, as discussões sobre a revogação do indulto já estão instaladas. Já no Chile, quase cem agentes da ditadura de Pinochet  foram presos por violações aos direitos humanos, e até o ditador vampiresco Pinochet foi processado por crimes contra a humanidade.
Quem teme  a verdade sobre os "anjos da morte" e seus aliados no Brasil? Se tal Comissão realmente for instalada, alguns membros da camarilha fascista da imprensa, da elite, da política, das Forças Armadas, terão motivos para não dormirem tranquilos...


2 comentários:

  1. Foi duro por demais esse periodo para todos os brasileiro. Ainda mais aqueles que perderam familiares devido a atos cometidos em nome do regime ditatorial da época.
    Mas acredito que se mexer na ferida ela nunca se cicatrizá.
    Quem serião os condenados? Os subordinados ou seus mandatários? E se fossem os mandatários, qual seria a sentença para esses no alto de seus 80, 90 anos, pois boa parte já partiu dessa pra melhor, ou pior.
    Lembrando que Cuba também têm os seus mortos em nome do regime
    Cumprir pena com toda essa idade? Não que eu tenha dó. é que recordo do ex Ditador do Chile, Augusto Pinochet.Sendo julgado quase que senil, doente, e talvez sem se preocupar com a sua condenação, uma vez que já estava por findar seus dias sobre a terra.
    Acho que esse periodo jamais poderá ser esquecido, para que não volte acontecer. Porém buscar culpados depois de 46 anos, em nada resolveria.
    Deixe que esses acertem as suas contas com Deus.

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  2. Homero, o objetivo desses "julgamentos" não são objetivamente levar ninguém a prisão. Não se trata de "revanchismo". Antes, trata-se de instaurar processos que visem simplesmente esclarecer as circustancias e trazer a tona pessoas que colaboraram com o regime na sua forma mais covarde e, ao contrário, não tem seus 80 ou 90 anos, estão ainda na ativa, inclusive no Congresso Nacional, nos meios de comunicação...
    Para conhecermos nossa verdadeira história ( e isso é sumamente importante para a nossa identidade) é necessário tal comissão. Até porque não abriram sequer os arquivos da ditadura. Do que tem medo?
    Por outro lado há que se atentar que outros países da América do Sul estão instaurando Comissões semelhantes, e os resultados tem sido bastante positivos.
    O objetivo deste revisionismo nada mais é que esclarecer a participação de muitos nesse crime imprescritivel e punir os mecanismos ideológicos que persistem na atualidade como materialização de respaldo ao regime.
    Não é contraditório que concessões públicas realizadas no ambito do regime militar, com todas as suas negociatas continuem tendo validade?
    Não é contraditório estarmos vivendo naquilo em que se acredita ser a plenitude da democracia termos rodovias, praças, cidades, monumentos que louvam o regime militar? (Rodovia Castelo Branco, etc).
    A história dos vencedores cristalizada no nosso cotidiano continua ainda a oprimir e a torturar consciencias.
    Se não reescrevermos essa história, os torturadores de ontem serão os heróis do amanhã... E amanhã, aqui poderá ser uma nova Honduras...

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